É inconstitucional regra que veda a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis
A norma que veda a apuração de créditos de PIS/Cofins na
aquisição de insumos recicláveis foi declarada inconstitucional pelo Supremo
Tribunal Federal (STF). O Plenário, na sessão virtual finalizada em 7/6, deu
provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 607109, com repercussão geral (Tema
304).
O RE foi interposto pela Sulina
Embalagens Ltda, do setor papeleiro, contra decisão do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF-4) que validou o artigo 47 da Lei 11.196/2005, que
veda a apropriação de créditos de PIS e Cofins na aquisição de desperdícios,
resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço,
de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho.
No STF, a empresa alegou que o
dispositivo fere normas constitucionais sobre o dever de proteção ao meio
ambiente, ao tornar mais onerosa as atividades de empresas que utilizam
materiais recicláveis em relação às que usam materiais oriundos da indústria
extrativista. Também alegou discriminação entre empresas do mesmo setor,
violando a isonomia assegurada pela Constituição.
A Fazenda Nacional, por sua vez,
sustentou que a regra impugnada concede isenção de PIS/Cofins na etapa anterior
da cadeia de produção, em benefício das cooperativas de catadores, e, como
contraponto, repassa o ônus para as grandes indústrias de reciclagem. Como não
ocorre a tributação na operação antecedente, alegou ser compreensível que as
empresas adquirentes não possam compensar créditos de PIS/Cofins.
Regimes cumulativo e não
cumulativo
Prevaleceu, no julgamento, o voto
do ministro Gilmar Mendes. Ele lembrou inicialmente que, no RE 607642, com
repercussão geral, a Corte entendeu que o legislador optou por um modelo legal
de coexistência dos regimes cumulativo e não cumulativo do PIS/Cofins. As
diferenças fundamentais entre esses sistemas dizem respeito, especialmente, às
alíquotas, aos critérios de elegibilidade e à possibilidade de apropriação de
créditos a serem descontados da base de cálculo das contribuições sociais.
No caso em discussão, Mendes
verificou que não ocorre equivalência entre a carga tributária da indústria de
reciclagem e a da indústria assentada no manejo florestal. Ele citou o exemplo
da indústria de papel que, apesar de submetida necessariamente ao regime não
cumulativo, fica proibida de apurar e compensar créditos fiscais quando adquire
insumos de cooperativas de catadores de material reciclado, o que resulta em
carga tributária maior sobre a cadeia de produção. Em sentido diverso, se a
empresa optar pela utilização de insumos extraídos da natureza, mesmo que a lei
não preveja isenção para cooperativas de manejo florestal, a carga tributária
seria menor, pois, nesse caso, o contribuinte teria direito ao abatimento de
crédito fiscal.
Desestímulo
O ministro observou que, do ponto
de vista tributário, atualmente há maiores incentivos econômicos para os
produtores que investem em tecnologias convencionais, assentadas no manejo
florestal, do que para os que adotam alternativas menos agressivas ao meio
ambiente (matéria-prima de cooperativas de materiais recicláveis). Segundo ele,
embora tenha visado beneficiar os catadores de papel, a legislação provocou
graves distorções que acabam por desestimular a compra de materiais reciclados.
Para Mendes, a regra tem efeitos
nocivos na indústria da celulose, fomentando a migração para o método
extrativista, que, mesmo quando promovido de forma sustentável, produz mais
degradação ambiental. "O Estado brasileiro prejudica as empresas que,
ciosas de suas responsabilidades sociais, optaram por contribuir com o poder
público e com a coletividade na promoção de uma política de gerenciamento
ambientalmente adequado de resíduos sólidos", ressaltou.
Proteção ao meio ambiente e
valorização do trabalho
Outro ponto observado pelo ministro
é que a Constituição Federal consagra o meio ambiente como bem jurídico que
merece tutela diferenciada, o que impõe ao poder público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações,
conforme prevê o artigo 225.
Ele lembrou, ainda, que o artigo
170, inciso VI, da constituição dispõe que a ordem econômica deve se pautar
pela proteção do meio ambiente, mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação. Segundo seu entendimento, não há espaço para o esvaziamento dessa
norma mediante a imposição de tratamento tributário prejudicial às empresas que
investiram em métodos industriais menos lesivos ao meio ambiente.
Além disso, observou que os
maiores prejudicados por esse mecanismo serão os agentes econômicos que compõem
o elo mais frágil da cadeia produtiva - no caso, as cooperativas de catadores,
formadas por pessoas físicas de baixa renda.
Considerando a interdependência
funcional das normas previstas nos artigos 47 e 48 da Lei 11.196/2005, Mendes
concluiu que a solução mais adequada é a declaração de invalidade do bloco
normativo que rege a matéria. Assim, as empresas do ramo de reciclagem
retornarão para o regime geral do PIS/Cofins, aplicável aos demais agentes
econômicos, "afastando o risco de o Tribunal incorrer em casuísmo e,
involuntariamente, agravar as imperfeições sistêmicas da legislação
tributária".
Seu voto foi seguido pelos
ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux, Nunes Marques e Ricardo
Lewandowski e pela ministra Cármen Lúcia.
Relatora
A relatora do processo, ministra
Rosa Weber, votou pelo parcial provimento do recurso. Ela considerou
constitucional a negativa à apuração de créditos fiscais, que serviria de contraponto
à isenção concedida em benefício do fornecedor de materiais recicláveis. No
entanto, reconheceu o direito ao crédito nas vendas desses materiais por
empresas optantes pelo Simples Nacional, que não foram beneficiadas pela
isenção tributária. Acompanharam seu voto os ministros Marco Aurélio e Dias
Toffoli.
O ministro Alexandre de Moraes
votou pelo desprovimento integral do recurso extraordinário.
Tese
A tese de repercussão geral foi a
seguinte: "São inconstitucionais os artigos 47 e 48 da Lei 11.196/2005,
que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos
recicláveis".
Fonte: STF