Auditoria da Receita em créditos de PIS/Cofins pode travar compensações
O impacto na arrecadação pelo uso de créditos de PIS e
Cofins, resultantes da exclusão do ICMS, fez a Receita Federal reagir: montou
uma equipe exclusiva para verificar os valores que as empresas dizem ter
direito. Essa estratégia, afirmam advogados, poderá dificultar - ou até
inviabilizar - as compensações (o uso de crédito para pagar tributo).
Trata-se de uma equipe nacional de auditoria. Esse grupo vai concentrar as
fiscalizações dos valores obtidos pelos contribuintes com as ações judiciais.
Em 2020, as empresas utilizaram R$ 63,6 bilhões em créditos ficais decorrentes
de disputas na Justiça - 174% a mais que no ano anterior. O forte crescimento
está relacionado à chamada “tese do século”, de acordo com a Receita.
Os balanços referentes a 2020 mostram que a arrecadação federal poderá ser
novamente afetada pelas compensações. A Ambev informa, por exemplo, que os
resultados do quarto trimestre “foram impactados positivamente por R$ 4,3
bilhões de créditos tributários” decorrentes de decisão judicial sobre o tema.
O GPA (Pão de Açúcar), nas suas demonstrações financeiras, também relata
ter vencido a disputa, “resultando o registro de crédito tributário no montante
de R$ 1,6 bilhão”. Acrescenta que a compensação desse crédito está sujeita a
determinados processos administrativos e estima realizá-lo em cinco anos.
A exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins está amparada em uma
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do ano de 2017. Esse julgamento ainda
não está completamente encerrado. O desfecho depende da análise de um recurso
(embargos de declaração) que foi apresentado pela Fazenda Nacional.
Nos tribunais regionais federais, no entanto, os processos estão
tramitando e é por esse motivo que as empresas vêm obtendo as decisões finais
(trânsito em julgado) dos seus casos - que servem como passaporte para as
compensações.
A equipe de auditoria que foi criada pela Receita vai, portanto, se
debruçar sobre esses valores. Os profissionais ficarão vinculados à
Coordenação-Geral de Arrecadação e de Direito Creditório (Codar). Eles serão
responsáveis pela análise do direito aos créditos e das declarações de
compensação dos contribuintes.
Caberá a essa equipe emitir os despachos decisórios e fazer o lançamento
de tributos e multas caso entendam que há erro na declaração do contribuinte. A
atuação desse grupo ocorrerá pelo prazo de 12 meses, podendo ser prorrogável se
o órgão entender necessário.
A força-tarefa da Receita está sendo vista no mercado como um esforço da
equipe econômica para tentar reduzir as perdas na arrecadação. Por isso, na
visão dos advogados, deve gerar um número grande de autuações e,
consequentemente, mais brigas administrativas e judiciais.
“Essa portaria causa preocupação e, de certa forma, mexe com o
psicológico, interfere na conduta dos contribuintes de querer ou não continuar
compensando. E isso é muito ruim, especialmente neste momento de crise”, diz o
advogado Fábio Calcini, sócio do Brasil, Salomão e Matthes.
Os advogados acreditam que a auditoria da Receita vai se concentrar na
questão do ICMS que foi retirado do cálculo do PIS e da Cofins: se o que consta
na nota fiscal ou o efetivamente recolhido pelo contribuinte aos Estados. O
órgão entende que deve ser o imposto recolhido, que geralmente tem valor menor
- esse posicionamento consta na Solução de Consulta nº 13, de 2018.
Há discussões em relação a isso e os contribuintes vêm obtendo decisões
favoráveis nos tribunais. Em algumas das decisões já transitadas em julgado
consta expressamente que o ICMS a ser excluído é o da nota fiscal. Nesses
casos, dizem advogados, a Receita Federal, mesmo entendendo de forma diferente,
não poderia desconsiderar o crédito por meio dessas fiscalizações.
Só que essas ações são minoria, as mais recentes, afirmam Luca Salvoni e
Rafael Vega, do escritório Cascione. “Na maior parte das ações, a exclusão do
ICMS consta de forma genérica. Essa discussão sobre qual o imposto deve ser
excluído surgiu depois do julgamento do STF. As ações que foram ajuizadas
antes, portanto, não tratam disso”, diz Vega.
A Receita Federal também poderá ir além dessa discussão, afirmam os
advogados. Um dos temores é de que sejam exigidos os comprovantes de pagamento
do imposto estadual de um período mais remoto.
Rafael Nichele, sócio do escritório Nichele Advogados Associados, cita o
caso de uma empresa, por exemplo, que entrou com ação em 2008. Ela tem por
direito receber os valores que pagou a mais nos cinco anos anteriores. Se a
decisão que a favorece transitou em julgado em 2018, portanto, ela poderá
incluir no cálculo - para a soma dos créditos aos quais têm direito - os
valores que foram pagos a mais desde 2003.
“Estamos falando de quase 20 anos. A empresa faz o cálculo com base nos
seus registros contábeis. Mas a maioria só guarda os comprovantes de
recolhimento do ICMS dos últimos cinco anos. Se a fiscalização exigir os
comprovantes de quase duas décadas, se não bastar o que consta nos registros
contábeis, pode complicar”, pondera.
O tributarista Caio Malpighi, do escritório Ayres Ribeiro Advogados, cita
uma outra situação que também poderá ser levantada pela Receita Federal: a
compensação cruzada. Afeta as empresas que usaram os créditos da exclusão do
ICMS para pagar débitos previdenciários.
Só em 2018, com a unificação do sistema, é que passou a ser permitido aos
contribuintes compensar crédito tributário com débito previdenciário e
vice-versa. Antes não era possível. Há discussão - inclusive no Judiciário - se
as empresas que obtiveram decisões depois de 2018, mas referentes a fatos
ocorridos anteriormente, podem fazer a compensação cruzada. “A Receita entende
que não. Para ela, vale a data do fato gerador”, diz Caio Malpighi.
A força-tarefa da Receita pode, ainda, interferir em um momento anterior à
compensação, alerta Carlos Vidigal, do escritório Vinhas e Resenschi. Consta no
artigo 4º da Portaria nº 10, publicada na noite de segunda-feira para criar a
equipe de auditoria, que caberá a esses profissionais expedir Termo de
Distribuição do Procedimento Fiscal (TDPF).
Esse procedimento serve para confirmar “a certeza e a liquidez” do
crédito. Só que quando utilizado trava as compensações. A empresa pode ter o
crédito habilitado, mas não poderá utilizá-lo para pagar tributos. Esse
“congelamento” ocorre durante todo o período de fiscalização, inicialmente
previsto para 120 dias, mas sem limites para prorrogação.
Por Joice Bacelo — Do Rio.
Fonte: Valor Econômico