Busca por contratos de namoro aumenta durante a pandemia
Advogados de
família relatam aumento na procura por contratos de namoro durante a pandemia.
Muitos casais que não têm a intenção de formar uma família, mas decidiram
passar o isolamento social juntos, buscam documentar a relação para evitar
problemas. Com a medida, é possível afastar a união estável e discussões sobre
divisão e confusão de patrimônio, que podem ter consequências inclusive nos
negócios.
O instrumento
surgiu há cerca de cinco anos e ganhou força na doutrina jurídica. Mas o
contrato de namoro é ainda um pouco polêmico no direito, avalia Rodrigo da
Cunha Pereira, advogado e presidente do Instituto Brasileiro do Direito de
Família (IBDFAM). “Sou favorável e já fiz muitos, alguns durante a pandemia”,
afirma.
O perfil mais comum
de quem procura esses contratos é de divorciados que não querem se casar
novamente e estão em um relacionamento em que há diferença de renda. Pereira
afirma que já atendeu outros tipos de perfis, como de jovens de cerca de 20
anos, com filho, que não queriam a configuração de união estável. “Com a
mudança de costumes há um limiar muito tênue entre namoro e união estável na
prática. Mas o primeiro não gera direitos, o segundo sim”, afirma.
A diferença
principal está na partilha de bens. Na união estável, em caso de separação, o
parceiro tem direito à metade do que foi construído durante o relacionamento.
Ou seja, cada um mantém seus bens prévios e só divide o que foi comprado
enquanto o casal estava junto. Em casos de morte, hipótese que passou a ser
mais lembrada durante a pandemia, se não houver filhos, o parceiro teria
direito ao patrimônio prévio do companheiro. O que não acontece nos namoros.
“Namorados vivem
juntos só para dividir o apartamento. Isso não significa união estável”, diz
Pereira. Ao contrário do que muitos pensam, não são necessários cinco anos de
relacionamento para configurar a união estável, segundo o advogado. Tempo de
relação, coabitação, ter filhos e a dependência econômica fazem parte dos
elementos analisados para configurá-la.
A falta de critérios
claros leva à judicialização e a decisões divergentes. Por isso os contratos
são importantes, conforme especialistas. “Só no Brasil uma relação que não é
formalizada por um pacto gera efeitos como em um casamento”, diz Marcelo
Paolini, sócio do L.O. Baptista Advogados.
O Código Civil
indica quatro elementos subjetivos para a união estável, segundo o advogado:
relação pública, contínua, duradoura e com objetivo de constituir família. Um
ponto considerado fundamental hoje para reconhecer a união estável é a
subordinação financeira de um dos parceiros. “Pagar uma viagem, um jantar é
normal. Mas se há pagamento de aluguel, cartão de crédito, despesas, o vínculo
é maior”, afirma Paolini.
Ele relata que
antes da pandemia o escritório fazia cerca de quatro contratos de namoro por
semestre. Desde março, o aumento foi de 40%.
Há casos em que o
contrato é recomendado, segundo o advogado. “E existe uma razão corporativa
para ser feito”. Alguns são firmados por casais de viúvos ou divorciados com
famílias grandes, filhos e netos, acionistas de holdings em que já existe um
planejamento sucessório que seria conturbado se os filhos de um herdassem
participação na empresa do outro. Um contrato desse tipo foi feito recentemente
pelo escritório durante a pandemia. O casal namora há alguns meses e passou a
conviver por mais tempo na mesma casa.
Ainda segundo
Paolini, existem acordos de acionistas de holdings que têm recomendações para
os membros da família sobre regime de bens de casamento — geralmente separação
total de bens — e sugerem os contratos de namoro para afastar qualquer hipótese
de união estável.
Decisões judiciais
mostram que a união estável é cada vez mais difícil de ser definida, diz
Cristian Fetter Mold, do escritório Fetter Mold Advocacia e professor no IDP.
“Hoje há um elemento subjetivo muito forte nessa análise. Ao final da relação um pode considerar que
era namoro e o outro que era mais que isso”, afirma. Já surgiu na
jurisprudência o namoro qualificado, que está entre namoro e união estável,
seria o namoro com coabitação. “Amar ficou muito complicado”, diz.
Decisões de
tribunais superiores deram à união estável uma série de direitos, deixando
pouca diferença para o casamento. O advogado sugere que os contratos de namoro
sejam renovados de tempos em tempos para indicar que continua sendo um namoro.
Durante a pandemia, as consultas que recebe sobre o tema triplicaram. “As
pessoas estão se prevenindo porque as decisões judiciais sobre o assunto são
uma montanha russa”, afirma.
Além das
disposições sobre patrimônio, Fetter já incluiu em contratos desse tipo que o
namorado não pode ser consultado, em hipótese de desligamento de aparelhos ou
decisão cirúrgica, se o outro não puder responder por si mesmo. Os contratos
podem ser assinados de forma privada e ter firma reconhecida em cartório. Ou
ser feito no cartório de notas, apesar da resistência de alguns deles.
Segundo o Conselho
Federal do Colégio Notarial do Brasil, seis contratos de namoro foram
registrados em cartórios entre abril e junho deste ano. Um a menos do que no mesmo
período de 2019. Uniões estáveis e divórcios também caíram. As uniões estáveis
corresponderam a 38.697 nos três meses de 2019 e a 22.077 no mesmo período de
2020. Os divórcios consensuais realizados em cartórios, por sua vez, passaram
de 14.126 para 12.074.
Alguns Estados
restringiram a abertura dos cartórios durante a pandemia. Os atos on-line
entraram em vigor em 27 de maio.
Os advogados
alertam para a necessária veracidade dos contratos de namoro. Assim como na
relação trabalhista, se a forma de contrato for fraudulenta, ele será
descaracterizado. Se houver de fato uma união estável, com dependência
econômica e intenção de formar família, mesmo que o casal tenha firmado o
contrato de namoro, o documento poderá ser descaracterizado.
Fonte: Valor Econômico