Deixar de recolher ICMS próprio, ainda que declarado, é crime, diz STJ
A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
decidiu que é crime o não recolhimento do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) em operações próprias, ainda que tenham sido
devidamente declaradas ao Fisco. Significa dizer que a falta de pagamento do
imposto pode levar a uma pena de seis meses a dois anos de detenção, e à
aplicação de multa.
Após mais de um ano desde o início do julgamento, a decisão desta quarta-feira
(20/8) uniformiza a jurisprudência da Corte – havia divergência entre decisões
da 5ª e da 6ª Turma sobre a matéria.
Por seis votos a três, o colegiado responsável por examinar processos de
natureza penal acompanhou o entendimento do ministro Rogerio Schietti Cruz,
relator do caso onde a questão foi discutida. Votaram contra a criminalização
os ministros Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi e Sebastião Reis Júnior.
Seguiram o relator os ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Felix Fischer,
Antônio Saldanha, Joel Parcionik e Néfi Cordeiro.
De acordo com Schietti, em qualquer hipótese de não recolhimento, comprovado o
dolo, ou seja, a intenção, configura-se o crime previsto no artigo 2º, II, da
Lei 8.137/1990, que dispõe sobre crimes contra a ordem tributária. A norma
prevê que a falta de pagamento do imposto pode levar a uma pena de seis meses a
dois anos de detenção, e ao pagamento de multa.
Pelo dispositivo, é crime contra a ordem tributária “deixar de recolher, no
prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado,
na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres
públicos”.
Declarou, mas não pagou
No caso que serviu como paradigma para que o assunto fosse debatido, duas
pessoas que deixaram de recolher, no prazo legal, o valor do ICMS buscavam a
concessão de um habeas corpus após serem denunciados pelo Ministério Público de
Santa Catarina (MP-SC) como incursos no artigo 2º, II, da Lei 8.137/1990.
A defesa alegava que o ICMS, apesar de não ter sido recolhido, havia sido
declarado ao Fisco e, por isso, a ação não caracterizaria crime, mas mero
inadimplemento fiscal.
De acordo com o ministro Schietti, porém, para a configuração do delito de
apropriação indébita tributária – tal qual se dá com a apropriação indébita em
geral – “o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em
livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma
influência na prática do delito, visto que este não pressupõe a
clandestinidade”.
Ainda de acordo com Schietti, é inviável a absolvição sumária pelo crime de
apropriação indébita tributária, sob o fundamento de que o não recolhimento do
ICMS em operações próprias é atípico, “notadamente quando a denúncia descreve
fato que contém a necessária adequação típica e não há excludentes de
ilicitude, como ocorreu no caso”. Para ele, eventual dúvida quanto ao dolo de
se apropriar “há que ser esclarecida com a instrução criminal”.
Cobrança obliqua
“Essa decisão nos causa muito espanto porque é uma reviravolta no processo
administrativo fiscal”, avalia o advogado Tiago Conde, sócio do escritório
Sacha Calmon. “Se o contribuinte ainda está discutindo o crédito tributário
judicialmente ou administrativamente, não pode existir nesse momento nenhum
tipo de responsabilização penal”, explica.
Para Conde, esse tipo de responsabilização equivale a um “meio oblíquo” de
cobrança de tributo, obrigando o contribuinte a pagar pelo imposto mesmo que
ela seja ilegal ou que suas bases não estejam corretas. “Eu acho que pode
existir a denúncia, mas desde que exista o trânsito em julgado da pretensão
tributária.”
O advogado criminalista Renato Stanziola Vieira observa que a política
brasileira de combate à sonegação fiscal tem funcionado de maneira cíclica –
ora afrouxando, ora apertando. “O que está por trás disso é uma política
tributária, arrecadatória. Então ao mesmo tempo que temos os parcelamentos, ou
os Refis, também vemos essas políticas de ameaça de instauração de inquérito
policial em ações penais por conta do não pagamento.”
Sócio do Andre Kehdi & Renato Vieira Advogados, o especialista avalia que a
decisão da 3ª Seção tem um peso grande porque, apesar de não ser vinculante, o
STJ tem a função de ser o uniformizador da Lei Federal, com grande potencial de
ser balizador dos tribunais que estão abaixo, como cortes estaduais e federais.
“Até agora o que se tinha é que o crime estava em iludir o Fisco, não só ficar
devendo o pagamento de um tributo. Essa decisão, infelizmente, confunde a
dívida com o crime”, afirma.
MARIANA MUNIZ – Repórter em Brasília
Fonte: JOTA