Pelo menos duas empresas já
conseguiram afastar, na Justiça, a cobrança do adicional de 1% de
Cofins-importação incidente na compra de mais de mil produtos do exterior. O
tributo suplementar afeta indústrias como a gráfica, a têxtil, a farmacêutica,
a de higiene pessoal, a de equipamentos de informática, a de papel e celulose,
a de autopeças, a de aeronaves e a de alimentos.
Os pedidos judiciais
questionam o “nó legislativo” gerado pela edição de três normas. Isso porque a
majoração da Cofins foi instituída originalmente pelo parágrafo 21 do artigo 8º
da lei 10.865/04, porém em 30 de março deste ano a Medida Provisória (MP) 774 revogou
o dispositivo, acabando com o tributo suplementar. Em 9 de agosto a própria MP
774 foi revogada por outra medida provisória, de número 794.
Ou seja, a MP mais recente
revogou o dispositivo que suspendia a cobrança do adicional de 1% para a
Cofins-importação. Na época, a MP mais antiga não tinha caducado nem havia sido
apreciada pelo Congresso Nacional. Nestas condições, as companhias questionam
se estaria “ressuscitado” o parágrafo da lei 10.865 que instituiu a majoração e
se a Receita Federal poderia imediatamente voltar a cobrar o 1% adicional.
Fundamentos distintos
Uma das empresas que
procurou o Judiciário contra o adicional pertence ao setor de perfumaria e
cosméticos. A companhia conseguiu decisão liminar da 4ª Vara Federal de
Curitiba em 29 de setembro suspendendo a cobrança da majoração pela Receita
Federal. Com fundamentos diferentes, uma importadora também obteve decisão
favorável no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) em 26 de outubro.
No caso da empresa de
cosméticos, o juiz federal Marcos Roberto Araújo dos Santos entendeu que o
fisco não poderia retomar a cobrança. Isso porque, para ele, com a revogação da
MP 774 pela MP 794 não estariam restabelecidos automaticamente os efeitos da
lei 10.865. “Não tem uma lei vigente permitindo a cobrança do adicional”,
explica o advogado Flávio Zanetti, do escritório Prolik Advogados, que defendeu
o contribuinte.
Já no caso da importadora,
o TRF4 suspendeu a cobrança com base no prazo de noventena, exigido para
entrarem em vigor os efeitos tributários das medidas provisórias. Assim, a
Receita Federal deveria parar de exigir o adicional a partir de 1º de julho, 90
dias após a edição da MP 774.
O juiz convocado Alexandre
Rossato, que analisou o caso, afirmou que a revogação da MP 774 restituiu a cobrança
suplementar de 1% da Cofins-importação. “Ora, não há dúvida”, lê-se na decisão.
Portanto, de acordo com Rossato, a fiscalização poderia voltar a exigir o
tributo a partir de 7 de novembro, respeitado o prazo de noventena da MP 794.
Assim, a cobrança só estaria suspensa de 1º de julho a 6 de novembro.
Assunto deve esquentar
O gerente de Contencioso
Tributário do escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados, Danilo Monteiro,
estima que a quantidade de litígios deve aumentar a partir de 7 de novembro, quando
a fiscalização poderia retomar a cobrança.
“Esse assunto ainda vai
esquentar mais. As empresas vão perceber que a cobrança de fato será realizada
pela Receita. Acho que por enquanto o cenário é de insegurança com tantas MPs”,
disse Monteiro.
Já Flávio Zanetti acredita
que outras companhias tendem a entrar na Justiça. “As empresas vão tomando mais
conhecimento dessa situação agora, porque ficou um lapso de tempo sem exigência
e depois voltou”, avalia.
Repristinação e confusão de MPs
Apesar da decisão do TRF,
tributaristas argumentam que a revogação do cancelamento não restaura
automaticamente a cobrança. Em termos jurídicos o conceito se chama
repristinação, e seria vedado pelo Decreto-lei 4657 de 1942, que introduz as
normas do direito brasileiro. Advogados entendem que para que a Receita Federal
pudesse voltar a cobrar o tributo seria preciso um dispositivo legal, como uma
lei ordinária ou uma MP, estabelecendo expressamente o retorno do adicional.
Sócio conselheiro do
escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, o advogado Igor
Mauler argumenta que só se questiona a cobrança do adicional da
Cofins-importação porque as revogações foram feitas por meio de medida
provisória. “Toda a jurisprudência diz que não há espaço para a repristinação
no Direito brasileiro. Se estivéssemos tratando de uma lei que fosse revogada
por outra, ninguém teria essa dúvida”, defende.
Mauler afirma que o fisco
poderia voltar a cobrar o adicional caso a MP 774, que revogou a lei 10.865,
fosse anulada ou considerada inconstitucional. Isso anularia os efeitos da
medida provisória, de forma que a lei permaneceria intacta.
Se a MP 774 tivesse perdido
a vigência por decurso de prazo, sem conversão em lei, um decreto legislativo
regularia os efeitos da medida. Segundo Mauler, esse decreto poderia
estabelecer que o efeito de revogação seria encerrado, de forma a restabelecer
a cobrança suplementar da contribuição.
Porém, a MP 774 não caducou
e nem foi considerada inconstitucional. A medida provisória apenas foi revogada
pela MP 794. Independentemente da possível conversão em lei da 794, para
Santiago, o dispositivo que estabeleceria a cobrança continua revogado. “A
norma que revoga uma anterior gera efeito no primeiro segundo. Se viger durante
um minuto, ela já revogou. O que acontecer com ela mais para frente não altera
esse fato”, explica.
O tributarista Thiago
Sarraf, do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados, entende que a
Receita Federal pode voltar a cobrar o adicional, respeitados os prazos de
noventena. Segundo Sarraf, a medida provisória revogada ou caducada não produz
efeitos além do prazo de vigência de até 120 dias. “A partir desse momento é
como se ela fosse rejeitada pelo Congresso. Há uma vontade popular indireta de
não levar à frente aquele texto que foi colocado pelo Executivo”, explica.
Além disso, Sarraf sustenta
que a discussão seria diferente caso a revogação tivesse ocorrido por meio de
lei ordinária. “[Uma lei] pressupõe uma vontade do Congresso em aprovar aquele
texto no devido processo legislativo. No caso da MP, a aprovação foi precária”,
defende.
De qualquer forma, Mauler
considera que o assunto ainda deve causar muita polêmica. “É muito novo, acho
que nunca aconteceu uma situação desse tipo”, avalia.
Jamile
Racanicci - Brasília
Giovanna
Ghersel - Brasília
Fonte: JOTA