Receita multa contribuintes que aderiram à repatriação
A Receita Federal tem notificado
contribuintes que aderiram ao programa de repatriação para o pagamento de multa
de mora de 20% relativa ao Imposto de Renda (IR) sobre os ganhos declarados no
exterior. Apesar de o Fisco ter se manifestado no início do ano que a multa não
seria devida, novas notificações têm chegado aos contribuintes.
A justificativa é que a retificação
da declaração e o pagamento do imposto sobre os ganhos de capital foram
efetuados após o dia 31 de outubro de 2016, quando se encerrou a adesão. Após
esse prazo, não haveria a caracterização de denúncia espontânea, conforme o
artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN), e os contribuintes não estariam
livres de pagar a multa de mora.
O prazo para adesão ao programa,
porém, foi prorrogado pelo próprio órgão por meio da Instrução Normativa 1.665,
em 19 de outubro. A norma postergou a entrega de Declaração Retificadora de
Imposto de Renda de 2015/2014 para 31 de dezembro do ano passado.
Para a advogada Rachel Muraro Lembi,
do Lembi Mesquita Advogados, que assessora empresas e pessoas físicas que foram
notificadas recentemente, a Receita não tem levado em consideração que houve
prorrogação desse prazo pela IN 1.665. "Como consequência lógica, ainda
que não expressamente escrita, as apurações passaram a poder ser finalizadas e
quitadas até a mesma data", diz.
Rachel acrescenta que o único impacto
da instrução normativa era a possibilidade de prorrogação dos efeitos de
denúncia espontânea porque a retificação do IR pode ser feita a qualquer
momento.
Apesar da instrução normativa não
tratar da postergação da retificação do ano de 2016/2015 para 31 de dezembro de
2016, a advogada alerta que no próprio site da Receita essa prorrogação foi
confirmada na parte de perguntas e respostas sobre o programa. " Essas
perguntas e respostas têm efeito vinculante para a Receita, que tem ignorado
suas próprias normas", afirma.
A Receita fundamenta as notificações
na Nota Codac nº 62, deste ano, em que a prorrogação do prazo para 31 de
dezembro de 2016, conforme alteração trazida pela Instrução Normativa nº 1.665,
de 2016, é completamente ignorada, segundo a advogada. "De modo que os
pagamentos de impostos e retificações ocorridos entre 31 de outubro de 2016 até
31 de dezembro de 2016 estão sendo desconsiderados para fins de não incidência
da multa de denúncia espontânea", diz.
Algumas pessoas físicas que sofreram
notificações têm preferido pagar a discutir judicialmente. "Há casos que
cobram migalhas, cerca de R$ 4 mil, e as pessoas preferem encerrar as
cobranças", afirma Rachel. Mas quando os valores são maiores a exclusão da
multa é discutida administrativamente. "A Receita Federal ignora as suas
próprias regras e atos internos e arbitrariamente cria novas instruções,
gerando extrema insegurança, ansiedade e angustia aos que seguiram as regras do
jogo."
Hermano Barbosa, sócio da área
tributária do Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA), afirma que muitos clientes
acabaram pagando para não se aborrecer, nos casos em que os valores são baixos,
apesar de a cobrança ser absolutamente questionável.
O advogado Edison Fernandes, sócio do
FF Advogados, afirma que tem auxiliado muitos clientes com autuações nesse
sentido. Algumas chegaram em janeiro e outras em junho. "A Receita Federal
está gerando uma arrecadação completamente indevida. Pessoas, principalmente
idosas, que recebem a notificação e ficam com medo, acabam pagando mesmo sem
dever", diz. Em alguns casos, o advogado tem pedido a restituição.
A regulamentação que afasta a
aplicação da multa é vasta, segundo Fernandes. Existem dois pareceres da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) dizendo que a multa não é devida,
caso haja o pagamento antes da fiscalização, além de dispositivos na Lei de
Repatriação (Lei nº 13.254, de 2016).
Em fevereiro, quando as notificações
começaram a ser noticiadas, a Receita emitiu nota para dizer que cancelaria as
multas e não haveria necessidade de qualquer manifestação do contribuinte.
"Quando vimos que na prática o cancelamento não seria automático como a
Receita dizia, mudamos a nossa estratégia", afirma Fernandes.
Para cancelar essas cobranças, o
advogado tem entrado com pedido de Certidão Negativa de Débitos (CND) para
gerar um procedimento interno com protocolo no qual se pode discutir a cobrança.
O advogado Nycolas Colucci, do Chulam
Colucci Advogados, diz que as notificações da Receita não têm seguido as
perguntas e respostas do próprio órgão. Ainda que a instrução normativa não
deixe claro o afastamento da multa para retificadoras apresentadas entre 31 de
outubro e 31 de dezembro de 2016, o artigo 100, parágrafo único, do Código
Tributário Nacional (CTN) afasta a aplicação de penalidade em relação a
contribuintes que seguirem orientação expedida pelas autoridades fiscais.
"Na primeira fase da repatriação
existia grande receio de que a Receita faria uma caça às bruxas após o
encerramento do programa", afirma Colucci.
Apesar das notificações existentes, a
Receita Federal informou, por nota ao Valor, que aos contribuintes
que retificaram a declaração até 31 de dezembro de 2016 "aplica-se a
denúncia espontânea desde que o pagamento do IR tenha sido efetuado antes ou na
mesma data da retificação". Ainda segundo a nota "se houve eventual
erro de sistema e a multa foi aplicada, ela será cancelada pela Receita
Federal, bastando a mera alegação do contribuinte ou seu responsável
legal".
Por Adriana Aguiar
De São Paulo
Fonte: Valor Econômico