STJ permite ações da Fazenda Nacional para anular créditos da 'tese do século'
Decisão da 1ª Seção, por maioria, afeta contribuintes que
ajuizaram processos entre 2017 e 2021
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu
ontem uma importante questão para a União. Os ministros, por maioria de votos,
consideraram válidas as ações movidas pela Fazenda Nacional (rescisórias) para
reformar decisões definitivas obtidas por contribuintes e anular créditos
relativos à “tese do século” — a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e
da Cofins.
A decisão foi dada em julgamento de recursos repetitivos, ou
seja, valerá para todos os processos sobre o tema, que estavam suspensos até
essa definição. O entendimento afeta as ações que estariam fora do limite
temporal (modulação) adotado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
São processos ajuizados depois do julgamento de mérito, no ano de 2017, e
finalizados antes da modulação, em 2021.
Na 1ª Seção, a maioria dos ministros acatou a tese da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que moveu pelo menos 700 ações
rescisórias contra empresas que conseguiram decisões favoráveis nesse período.
Para o órgão, é preciso adequar as sentenças obtidas à modulação dos efeitos.
Em 2021, o Supremo restringiu o benefício da exclusão para
quem já tinha ação sobre o tema até 15 de março de 2017, data de julgamento do
mérito da tese do século. Na prática, de acordo com a modulação, só esses
contribuintes poderiam recuperar o que foi pago nos cinco anos anteriores ao
ajuizamento das ações.
Quem apresentou ação depois dessa data, só teria direito a
parte do crédito — não cinco anos. Segundo a Fazenda Nacional, 78% dos
processos sobre exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins foram
levados ao Judiciário após o marco definido pelos ministros do STF, que é a
data do julgamento de mérito.
A tese vencedora no STJ foi a do ministro Gurgel de Faria,
que seguiu a divergência inaugurada pelo ministro Herman Benjamin, apenas
discordando sobre a extensão do julgamento. Enquanto Benjamin propôs estender a
possibilidade das rescisórias para outros casos, sendo seguido pelo ministro
Benedito Gonçalves, Faria restringiu a aplicação para o Tema 69 (tese do
século).
Gurgel de Faria foi acompanhado pelos ministros Sérgio
Kukina, Afrânio Vilela, Paulo Sérgio Domingues e Teodoro Silva Santos. Ficou
vencido o relator, Mauro Campbell Marques, que votou contra a União.
Na visão de Faria, a modulação do STF faz parte do
precedente. Por isso, quando as sentenças dos contribuintes transitaram em
julgado, entre 2017 e 2021, a tese não havia se aperfeiçoado ainda. A decisão
analisada, portanto, “não está em harmonia com parte dos efeitos produzidos
pelo Tema 69, especificamente no tocante à modulação operada pelo próprio
Supremo”, segundo afirmou ele durante a sessão.
Faria, que será o relator para o acórdão, fundamentou o voto
no artigo 535 do Código de Processo Civil (CPC), que autoriza a revisão de
decisões que, embora tenham seguido o entendimento consolidado à época,
“ficaram em descompasso com novas orientações fixadas pelo Supremo no âmbito do
controle de constitucionalidade” (REsp 2066696 e REsp 2054759).
Como sugestão de tese, Gurgel de Faria propôs: “Nos termos
do artigo 535, parágrafo 8, do CPC é admissível o ajuizamento de ação
rescisória para adequar julgado realizado antes de 13 de maio de 2021 à
modulação dos efeitos do Tema 69 do STF”.
Alguns Tribunais Regionais Federais (TRFs), como o da 4ª
Região, vinham dando razão ao governo para reformar as decisões dos
contribuintes. No STJ, os precedentes eram divergentes, motivo pelo qual o tema
foi afetado no fim do ano passado como repetitivo.
O procurador Leonardo Furtado, da Fazenda Nacional, que
acompanhou a discussão no STF na época, diz que já em 2017 defendia a
modulação. E que, de fato, acrescenta, foi preciso uma adequação para garantir
isonomia tributária, principalmente porque 78% das ações dos contribuintes
foram ajuizadas após o julgamento de mérito.
Por isso, a decisão do STJ é relevante para uniformizar
esses entendimentos diversos que ocorreram durante esse período, diz ele. “Cada
Corte tem seu tempo de julgamento. Então foi uma loteria, a depender de onde a
ação caísse. No TRF-4, por exemplo, o processo corre rápido. E outros casos
demoraram, então não precisou de rescisória porque o próprio Judiciário aplicou
a modulação”, afirma o procurador.
Para Bruno Teixeira, sócio tributarista de TozziniFreire
Advogados, com a decisão do STJ, a “segurança jurídica no Brasil sai
prejudicada”. “A rescisão de uma sentença pode acarretar não apenas a devolução
dos valores compensados, mas também a aplicação de multa ao contribuinte. Ou
seja, o contribuinte vai dormir credor e acorda devedor do Fisco, com multa
incluída”, diz.
Ele destaca que um de seus clientes vai perder 80% dos
créditos que já estavam sendo usados em compensações tributárias. “Isso envia
uma mensagem preocupante não apenas ao país, mas ao mundo, sobre a segurança
jurídica das decisões no Brasil, o que é extremamente grave.”
Janssen Murayama, sócio do Murayama & Affonso Ferreira
Advogados, afirma que, com a decisão do STJ, fica “uma lição para o
contribuinte”. “Uma vez pautado o caso, é preciso ajuizar imediatamente sua
ação judicial, para evitar perder o direito à restituição. Quase 80% das ações
que discutiam essa tese foram ajuizadas depois do julgamento, e por isso a
Fazenda vinha trabalhando muito pela modulação”, diz.
De acordo com ele, nesse caso específico, o STF deveria ter
modulado a partir do julgamento dos embargos, em 2021, e não retroagir ao
julgamento do mérito, em 2017. “Causa muita insegurança no ordenamento jurídico
o STF esperar quatro anos para julgar a modulação. O adequado seria julgar o
mérito e, havendo embargos de declaração, tentar analisá-los em meses ou, no
máximo, em um ano, para não criar esse limbo.” (Colaborou Luiza Calegari)
Fonte: Valor Econômico