Decisão do STJ desestimula cuidado com o redirecionamento de execuções fiscais
Ao fixar
que os honorários de sucumbência devem ser arbitrados por equidade nos casos em
que o contribuinte é excluído do polo passivo de uma execução fiscal sem
contestar o crédito cobrado, o Superior Tribunal de Justiça afeta negativamente
o cuidado com que as Fazendas Públicas fazem a cobrança de dívidas tributárias.
Freepik Honorários por equidade geram pouco risco para que Fazenda redirecione
execuções
Essa avaliação é de tributaristas consultados pela revista eletrônica
Consultor Jurídico. O caso julgado pela corte é o de uma execução fiscal
ajuizada contra um jornal e que foi redirecionada para os sócios e outras
empresas que comporiam o mesmo grupo econômico.
Uma dessas empresas ajuizou a
exceção de pré-executividade — instrumento que pode ser usado pelo contribuinte
para informar ao Judiciário que está sendo erroneamente cobrado judicialmente
por uma dívida pela qual não é responsável.
O Tribunal Regional Federal da 5ª
Região concluiu que não há grupo econômico comprovado e excluiu a empresa do polo
passivo da execução fiscal, cujo valor ultrapassa R$ 1 milhão.
Ao fixar os
honorários de sucumbência, o TRF-5 escolheu o valor de R$ 5 mil devido à
simplicidade da causa. E aplicou a regra da equidade prevista no artigo 85,
parágrafo 8º, do Código de Processo Civil.
O TRF-5 entendeu que não havia
condenação, proveito econômico obtido ou valor atualizado da causa para embasar
o cálculo. Para os advogados, porém, o proveito econômico é justamente o valor
da execução da qual a empresa se livrou.
Os honorários, nesse caso, seriam
fixados com a aplicação do artigo 85, parágrafo 3º, do CPC e alcançariam, no
mínimo, R$ 100 mil.
Pacificação Quando o caso chegou ao STJ, a 1ª Turma manteve
a conclusão do TRF-5, fixando que, nas causas em que a exclusão da execução fiscal
não discute a existência do crédito tributário, não há proveito econômico
algum.
Essa posição diverge de precedentes da 2ª Turma, inclusive julgados
posteriormente à definição, pela Corte Especial do STJ, de uma tese que limitou
a aplicação da regra da equidade para fixação de honorários.
O entendimento é
de que o proveito econômico é o valor da execução, mas a base de cálculo deve
ser o valor dividido pelo número de executados. Trata-se de um dos
distinguishings — hipótese de não aplicação da tese vinculante sobre honorários
— até então admitidos.
Por unanimidade de votos, a 1ª Seção afastou essa
interpretação e uniformizou a jurisprudência no sentido que vinha sendo adotado
pela 1ª Turma: se a decisão apenas exclui do polo passivo da execução fiscal, não
há proveito econômico e os honorários são por equidade. Gustavo Lima/STJ
Uniformização se deu conforme voto do relator, ministro Francisco Falcão Que
diferença fará? Todos os advogados consultados pela ConJur afirmaram que o
proveito econômico é muito claro, definido e líquido: corresponde ao valor da
dívida que a Fazenda queria imputar à empresa, suficiente para gerar um risco
de dano potencial.
Para Maria Andréia dos Santos, sócia do escritório Machado
Associados, a conclusão é de que a Fazenda não sofre grandes consequências
quando faz cobranças indevidas, já que a obrigação de pagar R$ 5 mil por tentar
incluir a empresa em uma execução fiscal de R$ 1 milhão não pode ser
considerada expressiva.
“Em tempos de uma busca de racionalização, reduzir
honorários sucumbenciais nesse tipo de situação, onde a vida da empresa ou da
pessoa física é impactada por anos por uma cobrança indevida, pode representar
um verdadeiro estímulo para que isso continue acontecendo, pois, ao final, não
haverá consequências financeiras relevantes para o Fisco.”
Mariana Valença, do
Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, destaca que a recíproca não é
verdadeira: se é o contribuinte quem perde, tem de arcar com o pagamento
atualizado do crédito tributário, multa, juros de mora e ainda honorários de
20%.
“Esse posicionamento dá margem para que as Fazendas Públicas, de forma
indiscriminada e indevida, saiam incluindo cada vez mais pessoas físicas no
polo passivo de execuções fiscais contra pessoas jurídicas. Ao não permitir a condenação
pelos parâmetros mínimos do artigo 85, parágrafo 3º, do CPC, está-se
beneficiando a Fazenda pela cobrança indevida de uma dívida.”
Na opinião de
Paulo Leite, do Stocche Forbes, o STJ acaba desestimulando as Fazendas Públicas
a serem cuidadosas ao indicar responsáveis pelas dívidas tributárias, algo
absolutamente comum.
“Ainda há muitas inclusões de maneira irresponsável, sem
se atentar para os requisitos de responsabilidade tributária previstos no
Código Tributário Nacional. Como a inclusão de administradores simplesmente por
serem administradores, por exemplo, sem nenhuma demonstração de atuação com
excesso de poderes.”
“A imposição de honorários proporcionais, e não por
estimativa, serviria como desestímulo a redirecionamentos irresponsáveis e descuidados,
que infelizmente ocorrem todos os dias”, concorda Igor Mauler Santiago, do
Mauler Advogados. Rafael Luz/STJ Votação no julgamento da 1ª Seção do STJ foi
unânime
Indícios mínimos
O Anuário PFGN 2023 mostra que a execução fiscal foi a
classe processual mais trabalhada pelo órgão no ano passado, em 1,3 milhão de
ações, e que gerou mais causas novas, 238,5 mil delas. No mesmo período, houve
ao menos 39,6 mil embargos à execução.
Os advogados consultados pela ConJur
apontam que uma das principais causas de redirecionamento das execuções fiscais
é o fato de o Fisco não conseguir citar a empresa devedora ou acessar seu
patrimônio.
Na suspeita de que houve a dissolução irregular da pessoa jurídica,
a praxe é pedir a inclusão dos sócios no polo passivo para que arquem com a
dívida.
Amanda Gazzaniga, do Buttini Moraes, concorda que a posição do STJ pode
gerar inclusões levianas para garantir o pagamento do débito a qualquer custo.
“Não haveria diferença incluir ou não.”
Ela explica ainda que o
redirecionamento das execuções fiscais costuma ocorrer conforme as hipóteses
previstas no artigo 135 do CTN. E que a PGFN e os Fiscos estaduais têm um
procedimento para apurar a responsabilidade de terceiros antes de inscrição na
dívida ativa.
Amanda cita a recém-editada Resolução PGE 09/2024, do estado de
São Paulo, que em seu artigo 17 exige a indicação específica dos indícios de
ocorrência da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora.
“Portanto, hoje
há um procedimento anterior à inscrição para apurar essa responsabilidade,
dando a oportunidade para que o eventual executado se defenda antes de ser
‘acusado’ quando a dívida já estiver inscrita.”
EREsp 1.880.560 Danilo Vital
Fonte: Conjur