Corte definirá se contribuintes podem discutir compensação
de créditos tributários por meio do recurso de embargos
Por Marcela Villar — São Paulo
20/04/2024 22h35 Atualizado há 13 horas
O placar começou desfavorável para o contribuinte com o voto
do relator, ministro Dias Toffoli, no julgamento do Supremo Tribunal Federal
(STF) sobre a possibilidade de se discutir compensação — uso de crédito para
pagar tributo — em embargos a execução fiscal. É a última cartada das empresas
para ganhar a tese. Hoje, a jurisprudência é contrária.
Os embargos são um meio de defesa do contribuinte contra a
cobrança de dívida tributária, previsto na Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de
1980). O pleito das empresas é poder se defender nos autos da ação judicial com
o argumento de que já pagaram o imposto cobrado por meio de compensação
tributária, na via administrativa, mesmo que ainda não vali dada pela Receita
Federal — que pode levar cinco anos para analisar o encontro de contas.
O julgamento começou na sexta-feira passada, no Plenário
Virtual. A ação foi levada ao STF em outubro de 2022, pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Os ministros têm até a próxima
sexta-feira para apresentar os votos, pedir vista ou destaque — o que transfere
a discussão para o plenário físico.
A entidade afirma ser preciso dar a interpretação correta,
da Constituição Federal, para o artigo 16, parágrafo 3º, da lei e permitir, em
embargos, a discussão sobre compensação em análise administrativa. Já a Fazenda
Pública entende que, nas execuções, deve-se apenas discutir a dívida — tese
atualmente aceita pelo Judiciário.
Para o CFOAB, essa interpretação mais restritiva viola, ao
menos, seis princípios constitucionais, como o da isonomia, do contraditório,
da ampla defesa, da economia processual, da celeridade processual e da
proibição de denegação de justiça.
Segundo advogados tributaristas, pode permitir que o mesmo
débito seja cobrado — e pago — duas vezes, já que a dívida cobrada na execução
fiscal já teria sido paga administrativamente através de compensação.
Voto
Toffoli, porém, foi pela tese da Advocacia-Geral da União
(AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que os argumentos da OAB
“não são suficientes” para acatar a ADPF, pois “sobressai da demanda seu
caráter infraconstitucional”. Ou seja, a última palavra é do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), que já definiu a questão contra o contribuinte.
“Resta evidente, portanto, que a suposta ofensa à
Constituição Federal, caso configurada, seria meramente reflexa ou indireta,
cuja análise não é cabível em sede de controle abstrato de
constitucionalidade”, afirma o relator no voto (ADPF 1023).
Segundo Toffoli, não cabe usar esse tipo de ação para
reverter precedente do STJ, “o qual, respeitando sua competência
constitucional, uniformizou a interpretação da legislação infraconstitucional”
(EREsp 1795347). Por isso, negou o agravo regimental. Em fevereiro, ele já
havia dado decisão semelhante.
Análise
Para o CFOAB, a compensação deve ser usada como meio de
defesa “no próprio instrumento judicial eleito pelo legislador para a cobrança
da dívida ativa”. Senão, precisaria discutir a questão em outra ação judicial
(anulatória ou de repetição de indébito), o que além de aumentar a
judicialização, já poderia estar prescrita, “resultando em cerceamento de
defesa e pura denegação de justiça”.
Luiz Gustavo Bichara, procurador tributário do CFOAB e
sócio-fundador do Bichara Advogados, lembra que quando a LEF foi publicada, em
1980, vedando a compensação, não estava regulamentada a possibilidade de pagar
tributos com créditos, que só veio em 1996. “A literalidade desse artigo [nº 16
da LEF] se prende a um momento histórico onde não existia nem compensação”,
afirma Bichara, que representa a OAB no caso.
A restrição impede o contribuinte de produzir defesa. “Se o
contribuinte tiver quitado o tributo via compensação, ele já gastou o crédito
para compensar o tributo, mas vai ter que pagar de novo a mesma dívida”, diz
Bichara. “O contribuinte fica em um beco sem saída, porque se na execução ele
não puder falar o que aconteceu, vai ter que pagar a dívida de novo.”
Ele defende que a tese “é tão razoável” que já está inserida
no Projeto de Lei nº 2488/2022, em trâmite no Senado Federal. O texto atual,
feito por uma comissão de juristas da qual ele participou com integrantes do
próprio STJ e do governo, prevê essa possibilidade. “A tendência é que a
legislação evolua se desprendendo da interpretação literal”, diz Bichara. Se o
projeto for aprovado, valerá como nova lei, portanto, acima do que for decidido
pelo STF.
O tributarista Eduardo Suessmann, sócio do Suessmann
Advogados, afirma que o STJ mudou a jurisprudência sobre o tema entre 2021 e
2022 — antes, prevalecia decisão a favor (Tema 294, julgado em 2010) — e não
modulou para restringir os efeitos. “Foi uma surpresa, porque reverteram a
posição”, diz. “Os ministros disseram que só poderia discutir ompensação
homologada, mas se ela foi homologada, não vai ter execução fiscal”, completa.
Para a advogada Luísa Macária, tributarista do Grupo Nimbus,
se a tese dos contribuintes não for acatada, será “bem prejudicial”. “O Fisco
pode não avaliar a compensação na esfera administrativa e o contribuinte não
vai ter direito ou a chance de discutir a questão em embargos de execução, ou
seja, não há ampla defesa ou contraditório.”
Fonte: Valor Econômico