Os
contribuintes conseguiram um importante precedente no Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais (Carf) contra a multa aplicada por descumprimento de
obrigação acessória. O entendimento adotado pelos conselheiros foi o de que a
penalidade só pode ser imposta se existir erro ou omissão de informações no
documento fiscal, e não quando há divergência de interpretação entre Receita Federal e empresa sobre pagamento de tributo.
O
julgamento foi realizado na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção, que afastou
multa de R$ 140 milhões aplicada à Ambev. A decisão é importante, segundo
advogados, por ser unânime e estar bem fundamentada. Não há ainda, acrescentam,
precedente na Câmara Superior - última instância do Carf. A penalidade é de 3%
sobre valor de imposto omitido, inexato ou incorreto prestado na declaração.
No
caso, a Receita Federal multou por entender que seria incorreto compensar
estimativas mensais devidas pelo contribuinte, na opção de apuração pelo lucro
real, com Imposto de Renda pago no exterior entre 2016 e 2017. Para a
fiscalização, declarar essas informações na Escrituração Fiscal Contábil (ECF)
seria errado e passível de sanção.
Em
sua defesa, porém, a Ambev alegou que a aplicação da penalidade deveria
respeitar os princípios da moralidade e da boa-fé e que não há qualquer
orientação expressa da Receita Federal em sentido contrário ao procedimento
adotado no preenchimento da ECF. E acrescentou que a fiscalização considerou
incorreta a compensação, e não o preenchimento do do documento fiscal.
A
empresa ainda argumentou que não é minimamente razoável admitir que a multa
pela apresentação da ECF com inexatidão, incorreção ou omissão possa ser muito
mais alta do a aplicada a quem deixa de apresentar a obrigação acessória.
Ambas
as punições estão previstas no artigo 8º-A do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977,
com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014. No inciso I, ficou estabelecido
multa de 0,25% a quem deixar de apresentar o livro fiscal e registros
contábeis. Já quem apresentar os registros com inexatidões, incorreções ou
omissões, fica sujeito a multa de 3% do lucro líquido, conforme o inciso II.
O
relator do caso é o conselheiro Flávio Machado Vilhena Dias, representante dos
contribuintes. Ele afirma, em seu voto, concordar com a Ambev. Para ele, “a leitura
da norma legal em questão não pode levar à conclusão evidentemente absurda de
que toda e qualquer divergência da fiscalização quanto à forma como
contabilizados determinados valores pelos contribuintes ensejaria a aplicação
da multa em questão”.
De
acordo com o conselheiro, o fiscal intimou o contribuinte para retificar suas
declarações, para que fizesse constar que as estimativas não teriam sido
quitadas com os créditos do Imposto de Renda pago no exterior. Como a empresa
não retificou os documentos, para fazer constar nelas o que a fiscalização
entendia como correto, acrescenta, “viu a ‘mão punitiva’ do Estado lhe ser
aplicada, sem qualquer respaldo na legislação em vigor, o que não se pode
admitir” (processo nº 15746.720390/2020-43).
O
tributarista Leandro Cabral, sócio do escritório Velloza Advogados, considera a
decisão importante. Segundo ele, a Receita Federal tem aplicado a multa quando
há apenas divergência de interpretação com o contribuinte, e não erros ou
omissão no preenchimento da ECF.
Ele
lembra que cada vez mais as empresas têm novas obrigações acessórias a cumprir,
nas três esferas - federal, estadual e municipal -, e que, por conta de toda
essa complexidade, os erros tendem a ficar mais frequentes.
“Mas,
no caso das grandes empresas, via de regra, elas passam por uma auditoria
externa. Então é muito difícil ter erro por falta de recolhimento de tributo.
Elas têm uma espécie de ‘double check’”, diz o advogado.
Para
Cabral, como a decisão foi unânime na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção, os
contribuintes ganharam um bom precedente. Ele afirma que pesquisou e não
encontrou nenhum julgamento da Câmara Superior do Carf sobre essa multa para a
ECF ou similar.
Fernanda
Rizzo, do escritório Vieira Rezende Advogados, destaca que o caso é bastante
relevante e que, inclusive, tem um parecido no escritório. Foi cobrada a mesma
multa de 3%, também de valor milionário, por suposta incorreção na declaração
fiscal. “Mas não estava incorreta e sim prestada de maneira diferente do que
pretendia a fiscalização”, diz a tributarista, acrescentando que esse caso
ainda não foi julgado pelo Carf.
O
julgado da Ambev é importante, explica a advogada, porque expressamente define
que a divergência de entendimento sobre a tributação de determinado fato não
enseja multa por declaração incorreta, ainda que eventualmente o contribuinte
esteja equivocado na maneira de apurar o tributo.
Ela
ainda lembra que as multas nesses casos podem representar valores expressivos,
pois são calculadas sobre o montante informado “com vício” e não sobre o
tributo não pago - que pode sequer existir. Assim, como a base de cálculo é o
suposto vício, a multa poderá ultrapassar o montante do tributo, o que
aumentaria a arrecadação.
“O
julgado [do Carf], nesse sentido, contribui para dar freio a esses tipos
abusivos de autuação”, diz Fernanda Rizzo.
Procurada
pelo Valor, a Ambev informou, por nota enviada pela assessoria de imprensa, que
não comenta casos em andamento. “Vale pontuar, no entanto, que acreditamos ser
possível uma mudança nesse ambiente de litígio, promovendo maior o diálogo
entre contribuintes e Fisco, de modo que as regras sejam claras para os dois
lados, evitando diferentes interpretações e promovendo segurança jurídica”,
afirma na nota.
Fonte: Valor Econômico