Sandro Machado: "A Receita tenta
tributar algo que não é exatamente um ganho"
A
Receita Federal decidiu que descontos obtidos em multas e juros de mora de
dívida incluída no Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) devem
ser tributados pelo Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins. O entendimento
está na Solução de Consulta nº 65, editada recentemente pela Coordenação-Geral
de Tributação (Cosit).
A
resposta ao contribuinte reafirma o posicionamento da Receita sobre o que
considera perdão de dívida tributária em parcelamentos tributários. Na Solução
de Consulta nº 17, de 2010, o órgão já havia afirmado que os descontos
configuram acréscimo patrimonial e devem ser tributados. Ainda não há
jurisprudência consolidada sobre o assunto, segundo advogados.
No
caso, a empresa aderiu ao Pert em outubro de 2017. Na solução de consulta, a
Receita entende que com a adesão ao parcelamento há uma "bonificação"
ao contribuinte em forma de redução de juros e multas, o que reduz o passivo
tributário. A contrapartida deve ser uma conta de receita.
De
acordo com o órgão, caso na apropriação dos juros e multas compensatórias a
empresa tenha aproveitado as despesas para redução da base do IRPJ e CSLL, a
reversão ou a recuperação dessas parcelas deverá compor o cálculo dos tributos
no momento em que revertidas ou recuperadas.
Já
para o PIS e a Cofins, a recuperação de custos ou despesas que foram revertidos
em razão de adesão ao Pert configuram-se como receita da empresa no regime de
apuração não cumulativa. Por isso, a Receita entende que os valores devem ser
inseridos nas bases de cálculo dos tributos.
Para
a advogada Mariana Monte Alegre de Paiva, do escritório Pinheiro Neto
Advogados, o posicionamento da Receita era esperado e pode ser combatido. "Esse
tipo de redução de multas e juros concedido em parcelamento não consiste em
receita, é apenas a redução de um passivo", diz. Segundo ela, a questão já
foi parar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e há decisões
sobre PIS e Cofins favoráveis a contribuintes.
Há
também posicionamento da Justiça sobre o assunto. Em abril de 2018, a Cairu
Indústria de Bicicletas obteve na Justiça Federal liminar que afasta a cobrança
de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins sobre descontos obtidos em
multas e juros de mora de dívida incluída no Pert. No processo (nº 1000052-91.2018.
4.01.4103), a empresa alega que a Receita Federal entendeu que a redução
configuraria perdão, o que possibilitaria a tributação.
Na
decisão, o juiz federal André Dias Irigon, da Vara Federal Cível e Criminal de
Vilhena (RO) fez uma breve análise do mérito. Ele cita a decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da
Cofins. Para ele, a partir do precedente, a remissão da dívida não poderia ser
tratada como receita para fins de tributação (apenas para fins de demonstração
de resultado da empresa), por não configurar ingresso financeiro.
Segundo
o advogado Sandro Machado, do escritório Bichara Advogados, a solução de
consulta é importante por ser a primeira sobre o Pert e vincular a
fiscalização. "A expectativa é que, com a divulgação do texto, cresça o
contencioso contra essa pretensão do Fisco", afirma.
A
Solução de Consulta nº 17, de 2010, acrescenta, por não ser da Cosit, não
vinculava a fiscalização, apenas o contribuinte que apresentou a questão. "A
Receita tenta tributar algo que não é exatamente um ganho do
contribuinte", diz Machado.
Thales
Belchior Paixão, do mesmo escritório, lembra que na época em que foi discutida
no Congresso Nacional a medida provisória que criou o Pert foi sugerido um dispositivo
para impedir a tributação. A emenda, porém, não foi mantida na conversão em lei.
Por Beatriz Olivon | De Brasília
Fonte: VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS