Empresas tentam ampliar julgamento sobre tributação de softwares no STF
Empresas de tecnologia decidiram bater nas
portas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar convencê-los
a analisar, no próximo dia 22, um conjunto de processos que questionam a
incidência do ICMS sobre software. Por ora, há na pauta apenas uma ação direta
de inconstitucionalidade (ADI) sobre o tema, proposta em 1999, quando a
transferência eletrônica de software ainda era feita por meio de disquete.
Empresários e advogados entendem que a questão não pode ser analisada sem levar
em consideração os atuais meios para a comercialização – download, streaming e
nuvem. Para eles, sem um julgamento ampliado, manteria-se a insegurança
jurídica, que impacta a competitividade no setor.
A ação de 1999 foi proposta pelo PMDB (ADI nº 1945) para contestar um
dispositivo da Lei nº 7.098, de 1998, do Estado do Mato Grosso. No ano passado,
porém, foram ajuizados pelo menos mais três processos. Dois deles, da
Confederação Nacional de Serviços (CNS), questionam normas mais atuais sobre o
assunto, como o Decreto nº 61.791, de 2016, do Estado de São Paulo (ADI 5576).
Além de abranger o software personalizado ou não, a norma paulista considera a
transferência eletrônica de dados por download ou streaming. Hoje, São Paulo
cobra 5% de ICMS sobre o download, embora a Lei Complementar nº 116, de 2004,
estabeleça que os municípios podem cobrar ISS sobre a licença por uso.
Também tramita no STF uma ação da Associação Brasileira das Empresas de
Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) para questionar o Convênio nº
106, de 2017, do Conselho Nacional da Fazenda Nacional (Confaz). A norma
autorizou os Estados a cobrar ICMS nas operações com bens e mercadorias digitais,
comercializadas por transferência eletrônica (ADI nº 5958).
As empresas esperam que o STF defina, de uma vez por todas, que a circulação de
software, por qualquer tipo de transferência de dados digitais, não pode ser
tributada pelo imposto estadual (com alíquotas de até 18%). Apenas pelo ISS
(até 5%). Para ampliar o julgamento, advogados e diretores de entidades devem
visitar, até a próxima semana, os gabinetes de ao menos seis ministros –
incluindo os relatores das ações, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Luís Roberto
Barroso.
O advogado Ricardo Godoi, do escritório Godoi & Zambo Advogados Associados,
que representa a CNS, lembra que conceitos como "software de
prateleira" não existem mais. "Hoje em dia se disponibiliza software
por download e o processo judicial tem que levar em consideração essas
concepções mais modernas", afirma. "De nada adianta termos decisões
favoráveis em primeira e segunda instâncias da Justiça, se o STF fixar uma
jurisprudência desatualizada."
Em São Paulo, a Justiça está dividida. A Federação de Serviços do Estado de São
Paulo (Fesesp), por exemplo, obteve liminar, que depois foi derrubada (processo
nº 3001176-36.2018.8.26.0000). Já o Sindicato das Empresas de Processamento de
Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo (Seprosp) e a Brasscom
possuem decisões vigentes. O primeiro conta com acórdão do Tribunal de Justiça
de São Paulo (TJ-SP) que suspende o ICMS (2065 250-19.2018.8.26.0000). Já a
associação mantém liminar favorável de primeira instância (processo nº 2086668-13.2018.8.26.0000).
Segundo Sergio Sgobbi, diretor da Brasscom, a entidade já conseguiu suspender o
pagamento do ICMS em sete ou oito Estados "porque já era uma condição
estabilizada se pagar o ISS na localidade". De acordo com levantamento da
associação, o aumento da carga tributária decorrente da bitributação do setor
pode variar de 67% a 500%. Isso porque, segundo o estudo, a arrecadação
adicional dessa bitributação pode variar entre R$ 1,3 bilhão (adoção da
alíquota de 5% pelos Estados) e R$ 4,5 bilhões (alíquota de 18%).
Esse levantamento foi encaminhado para o Ministério da Ciência e Tecnologia,
para que o governo também peça ao Supremo o julgamento conjunto das ações
diretas de inconstitucionalidade, segundo Sgobbi. "A ação na pauta do STF
do dia 22 é muito antiga. Mesmo que a decisão seja positiva para as empresas,
não vai contemplar o cenário atual e o setor continuará a não saber o que e
quanto pagar."
Como dados do IDC Brasil mostram que as empresas do setor no Estado de São
Paulo, em 2015, totalizaram R$ 12,85 bilhões de faturamento, a Brasscom afirma,
em seu estudo, ser possível projetar arrecadação de ICMS de R$ 640 milhões,
aplicando-se a alíquota de 5%. Para o ISS, com uma alíquota média de 2,9%,
calcula-se uma arrecadação da ordem de R$ 370 milhões.
Hoje, o Brasil está na lista dos que mais investem em softwares. Para 2018, a
expectativa da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) é de uma
elevação de 4,1% dos desembolsos no país – considerando-se os negócios a serem
fechados no segundo semestre. "Se a decisão do STF em uma ação judicial
for diferente das demais, o ambiente de insegurança jurídica permanecerá, o que
poderá impactar esses investimentos", afirma o diretor jurídico da Abes,
Manoel Antonio dos Santos.
Por enquanto, Santos orienta as empresas associadas a não prestar obrigações
acessórias aos Estados, nem recolher o ICMS. "Podemos ter custos com
eventuais defesas administrativas ou judiciais. Mas mesmo nesse caso orientamos
a não provisionar", diz. O diretor jurídico argumenta que o ICMS só incide
na transferência de titularidade. "Ou a compra de um plano de saúde por
meio de plataforma eletrônica também o tornaria uma mercadoria sujeita ao
ICMS", acrescenta Santos.
De acordo com a advogada Patrícia Vargas Fabris, do Mazzucco e Mello Advogados,
tudo será definido pelo Supremo. De qualquer forma, recomenda às empresas
recorrer à Justiça para afastar a incidência do ICMS e a recuperar o que foi
eventualmente pago nos últimos cinco anos. "De acordo com jurisprudência
do próprio STF, decreto não pode trazer nova cobrança tributária sem o respaldo
de uma lei complementar. Além disso, software não é um bem tangível para
incidir ICMS", diz.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo disse, por
nota, que "não quer comentar estratégia processual fora dos autos".
Por Laura Ignacio | De São Paulo
Fonte: Valor econômico