Substituição de fiscais no Carf preocupa contribuintes
Obtido em reestruturações
societárias, o ágio interno, por exemplo, gerado em operação entre empresas de
um mesmo grupo, é usado para abater o Imposto de Renda (IR) e a CSLL.
A mudança na composição das câmaras do Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf) preocupa os contribuintes, especialmente aqueles que já
obtiveram decisões provisórias para afastar multas milionárias por
aproveitamento de ágio. O órgão deve voltar a julgar o assunto neste semestre e
teme-se que, com a saída de fiscais que proferiram votos para suspender
autuações, a jurisprudência passe a ser favorável à Receita
Federal.Obtido em reestruturações societárias, o ágio interno, por
exemplo, gerado em operação entre empresas de um mesmo grupo, é usado para
abater o Imposto de Renda (IR) e a CSLL. No Carf, a Gerdau conseguiu cancelar
uma cobrança de aproximadamente R$ 700 milhões por transações dessa natureza,
que envolveram oito companhias do grupo.O conselho também cancelou multa
de R$ 3,95 bilhões aplicada contra o Santander, por operação envolvendo outro
tipo de ágio. O Fisco alegou que o banco teria usado indevidamente um ágio de R$
7,4 bilhões - resultante da privatização do Banespa - para pagar menos IR e CSLL
entre 2002 e 2004.Com a saída dos conselheiros Antônio Praga, Carlos
Guerreiro e Albertina Silva Santos, representantes do Fisco que votaram contra
autuações pelo uso de ágio, poderia ocorrer, segundo advogados, uma mudança de
entendimento. "A saída de conselheiros pode obviamente alterar o entendimento do
Carf", afirma Roberto Quiroga, do escritório Mattos Filho Advogados, que
representa o Santander no processo citado.Guerreiro foi encaminhado para
a equipe de fiscalização do aeroporto de Porto Alegre. Albertina se aposentou e
Praga atua em Brasília como integrante da delegacia da Receita de Ribeirão Preto
(SP). "Me propus a permanecer e ter o mandato renovado no Carf, mas não me sinto
perseguido, nem objeto de retaliação", afirma Praga, que votou a favor de um
planejamento tributário da Marcopolo, livrando-a de uma autuação milionária. "As
confederações que representam os setores econômicos fazem o mesmo. Não indicam
para a recondução os conselheiros que não julgam de acordo com o que
pensam."De acordo com o presidente do Carf, Otacílio Dantas Cartaxo, um
comitê analisa a recondução de conselheiros ao cargo e o Ministro da Fazenda
somente avaliza. Esse comitê é formado por representantes do Carf, da Receita
Federal, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), da sociedade civil e
de confederações nacionais da indústria (CNI), do comércio (CNC), da agricultura
(CNA) e dos serviços (CNS).Com as alterações no Carf, segundo a advogada
Mary Elbe Queiroz, do Queiroz Advogados Associados, "já é possível perceber uma
mudança de interpretação sobre aproveitamento de ágio". Uma das vagas foi
assumida pela auditora fiscal Monica Sionara Schpallir Calijuri, ex-titular da
Delegacia Especial de Maiores Contribuintes (Demac). O órgão fiscaliza as
empresas do país com faturamento anual superior a R$ 90 milhões - como as
autuadas por "uso indevido" de ágio.No recente julgamento do processo da
construtora Planova sobre ágio interno de aproximadamente R$ 100 milhões, a
defesa da companhia requereu o impedimento da auditora fiscal. Mas o pedido foi
negado. Agora, vai pedir para a Câmara Superior analisar a questão ou recorrerá
ao Judiciário com a alegação de que a auditora, quando estava na Demac, assinou
todos os procedimentos para fiscalizar o uso de ágio por grandes empresas, entre
elas a Planova. A auditora foi procurada pelo Valor, mas não se
manifestou.O regimento do Carf determina que a declaração de impedimento
deve partir do próprio conselheiro ou suscitado por qualquer interessado, que
deve pronunciar-se por escrito sobre a alegação, antes do término do julgamento.
O conselho é um órgão paritário - formado por representantes da Receita Federal
e dos contribuintes.Por meio de nota, o Sindicato Nacional dos
Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) informa que não tem
conhecimento do afastamento ou permanência de conselheiros do Carf por causa do
teor de suas decisões. "Qualquer interferência na autonomia que os conselheiros
têm para decidir de acordo com sua livre convicção deve ser denunciada com base
em fatos concretos e será imediatamente apurada e combatida pelo Sindifisco",
diz a nota.
Laura Ignacio
Fonte: Valor Econômico