ARTIGOS
Breves Considerações sobre a Ação Penal por Crimes contra a Ordem Tributária e o Processo Administrativo Fiscal
19/08/2013

As ponderações efetuadas no presente artigo têm como objetivo primordial fornecer um painel abrangente sobre a situação daquele que, autuado pelo Fisco por conduta que pode configurar crime contra a ordem tributária, corre o risco de ser processado criminalmente pelo Ministério Público Federal. 


I - Da legislação Privilegiando os crimes contra a ordem tributária, em detrimento daqueles cometidos contra a Previdência Social, e sem pretender traçar um panorama completo da legislação que trata dos crimes tributários, inicia-se por mencionar a Lei nº 8.137, de 1990, que derrogou a Lei nº 4.729, de 1965. 

A Lei nº 8.137/90 definiu crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e deu outras providências. 

No art. 1º e 2º, estão enumeradas condutas consideradas crimes contra a ordem tributária, passíveis de ser praticadas por particulares. As do art. 1º exigem o resultado supressão ou redução de tributo, contribuição social e qualquer acessório. As do art. 2º não demandam necessariamente tal resultado.Transcrevam-se os mencionados dispositivos:

"Art. 1º . Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social  e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

"Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

"O art. 14 da Lei nº 8.137/90 previa que o pagamento do tributo devido antes do recebimento da denúncia extinguia a punibilidade. Tal artigo foi suprimido pela Lei nº 8.383, de 1991, mas a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia voltou a ingressar na legislação brasileira com o advento da Lei nº 9.249, de 1995, que em seu art. 34 dispõe:

"Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios,  antes do recebimento da denúncia.

"O art. 34 deixou de mencionar crimes relativos a tributos previstos em outras leis, como é o caso dos crimes de contrabando ou descaminho (art. 334 do Código Penal) e do crime de omissão no recolhimento de contribuições sociais arrecadadas dos empregados (art. 95, alínea "d", da Lei nº 8.212, de 1995, posteriormente revogado pela Lei nº 9.983, de 2000, a qual inseriu no Código Penal os crimes contra a Previdência Social). A doutrina e a jurisprudência, porém, corrigindo a omissão legal, passaram a aplicar a regra da extinção da punibilidade pelo pagamento também a essas condutas.  Atualmente, a possibilidade de extinção da punibilidade para os crimes contra a Previdência Social está prevista nos arts. 168-A, § 2º, e 337-A, § 1º, ambos do Código Penal.

Em 1996, foi editada a Lei nº 9.430, que contém normas diversas sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social e o processo administrativo tributário. No art. 83, ao dispor sobre a representação fiscal para fins penais, dita Lei fixou que:

"Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
Parágrafo único. As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz." 

Desse quadro legislativo, observa-se que:

- os crimes contra a ordem tributária estão previstos, precipuamente, na Lei nº 8.137, de 1990;

- os crimes contra a Previdência Social estão previstos, principalmente, no Código Penal brasileiro (arts. 168-A, 337-A);

- o pagamento, antes do recebimento da denúncia,  do tributo reputado devido e não recolhido, é causa de extinção da punibilidade, no caso dos crimes contra a ordem tributária, por força do art. 34 da Lei nº 9.249, de 1995;
-  os crimes contra a Previdência Social também contam com causas de exclusão da punibilidade, previstas no Código Penal (168-A, § 2º, e 337-A, § 1º);
- a representação fiscal para fins penais, que deve ser efetuada pelos servidores da Fazenda ao Ministério Público, está prevista no art. 83 da Lei nº 9.430, de 1996.  

A partir desse conjunto de normas, são analisadas a seguir questões específicas pertinentes às relações entre a ação penal e o processo administrativo fiscal.

II - Da possibilidade de ajuizamento da ação penal antes do fim do procedimento fiscal: a posição dos Tribunais

A leitura do art. 83 da Lei nº 9.430, de 1996, pode dar a entender que a ação penal relativa a crimes contra a ordem tributária, a ser proposta pelo Ministério Público, tem de aguardar o término do processo fiscal eventualmente instaurado.  Mas tal interpretação não vem sendo aceita pela jurisprudência. A "representação fiscal para fins penais" de que trata o art. 83 é a notícia, encaminhada pelos órgãos fazendários ao Ministério Público, da prática de crime tributário. É o conjunto de informações (pareceres, decisões, documentos) que apontam para a autoria de ilícito penal contra a ordem tributária, e que deve ser remetido ao Ministério Público, para que este avalie sobre a possibilidade de ajuizar a ação penal. Segundo o art. 83, a representação fiscal para fins penais só será enviada ao Ministério Público após a decisão final no processo administrativo fiscal. Isto significa o seguinte: se, uma vez lavrado o auto de infração e efetuado o lançamento do crédito tributário, o contribuinte impugna a autuação, questionando o valor do lançamento ou outro defeito do auto, estabelece-se o  processo administrativo tributário, no qual se decidirá se realmente houve infração ou não; somente após a decisão  administrativa definitiva, quer dizer, a decisão da qual não caiba mais recurso, é o que o agente fazendário poderá remeter a representação fiscal ao Ministério Público. Pergunta-se, então: o Ministério Público terá de aguardar o resultado final do processo administrativo tributário para que, recebendo a representação fiscal, aprecie a viabilidade da propositura de ação criminal? A resposta que a doutrina e a jurisprudência oferecem não é convergente nem unânime, mas a corrente jurisprudencial majoritária afirma que o Ministério Público, tendo acesso a elementos que demonstrem a ocorrência do crime fiscal, inclusive com o valor do montante devido, pode ajuizar a ação penal independentemente do resultado final do processo administrativo fiscal. Em outras palavras: a ação penal por crime tributário, conforme o entendimento predominante nos tribunais brasileiros, não depende da decisão final no processo administrativo fiscal, nem da representação fiscal que dele poderia advir. Tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, este em Porto Alegre, são praticamente pacíficos em afirmar que a atuação do Ministério Público não está condicionada à representação fiscal e que o processo judicial independe do fim do processo administrativo fiscal. Entende-se que o Ministério Público tem uma missão constitucional que não pode ficar atrelada à atuação dos órgãos fazendários. Diz-se "praticamente" porque há vozes insurgentes nos Tribunais Superiores, como é o caso dos Ministros Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, e Edson Vidigal, do Superior Tribunal de Justiça, que pensam em sentido diverso, afirmando que a representação fiscal para fins penais é condição de procedibilidade para a ação penal. A posição do Ministro Sepúlveda Pertence, noticiada no Informativo do STF nº 249, foi proferida durante o julgamento do Habeas-Corpus nº 77.002-RJ, tendo por Relator o Ministro Néri da Silveira. Em se tratando de crimes materiais ou de resultado (art. 1º da Lei 8.137/90, antes transcrito), o Ministro Sepúlveda entendeu que "a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, sem a qual a denúncia deve ser rejeitada, uma vez que a competência para constituir o crédito tributário é privativa da administração fiscal, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final do processo administrativo", conforme divulgou o Informativo do STF. O julgador entendeu que o estabelecimento dessa condição de procedibilidade da ação penal não violaria o princípio da separação e independência dos poderes, porque a punibilidade da conduta estaria subordinada à decisão de competência de autoridade diversa do juízo criminal. A própria tipicidade da conduta (muito grosso modo, o enquadramento de uma conduta como crime, segundo a legislação em vigor) estaria comprometida sem a decisão da autoridade administrativa no sentido da existência do ilícito, porque é somente a autoridade fiscal quem pode dizer do não pagamento ou da redução de tributos e, enquanto ela não o fizer, não é possível afirmar que houve crime.Infelizmente, o julgamento do Habeas Corpus nº 77.002-RJ não foi finalizado,  porque a demanda perdeu o objeto e, conseqüentemente, o STF julgou prejudicado o pedido (Diário de Justiça da União 1, de 11.12.2001). Perdeu-se, assim, a oportunidade de operar-se uma possível alteração na posição dominante da Corte Suprema, por ora ainda filiada à corrente que considera viável a propositura da ação penal por crime contra a ordem tributária antes de finalizado o procedimento administrativo fiscal.

Assim, afigura-se de difícil êxito qualquer tentativa de impedir que o Ministério Público proponha ação penal, sob o argumento de que o processo administrativo fiscal não chegou ao fim. Se o órgão ministerial, por qualquer meio lícito, obtiver provas indicativas da ocorrência de crime contra a ordem tributária, poderá livremente ajuizar ação penal. Há meios de tentar impedir o prosseguimento da ação penal, por exemplo, pela impetração de habeas corpus visando ao trancamento da ação penal, mas as chances de sucesso nesse caso são pequenas, no atual quadro jurisprudencial. Outra possibilidade, cujo resultado favorável é igualmente remoto, consiste na impetração de mandado de segurança contra o ato do agente fazendário que remete a representação fiscal antes do término do processo administrativo fiscal. Neste caso, faz-se imprescindível a prova de que houve a remessa e de que o feito administrativo não chegou ao fim. 

III - Da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo até o momento que antecede o recebimento da denúncia

Não havendo boas chances de vitória na pretensão de impedir que Ministério Público proponha ação penal antes do fim do processo administrativo fiscal - o que não significa, por óbvio, que se devem abandonar as alternativas para alcançá-la - , devem-se buscar meios para extinguir a imputação criminal logo no início. Como se expôs no item I, retro, o art. 34 da Lei nº 9.249, de 1995, atualmente em vigor, faculta ao contribuinte que supostamente cometeu crime tributário a oportunidade de extinguir a punibilidade, por meio do pagamento do tributo que teria deixado de recolher/ recolhido a menor. O pagamento, nesse caso, deve ser feito conforme o valor exigido pelo Fisco, sem possibilidade de questionamento, e incluirá correção monetária, juros e multa moratória.O art. 34 da Lei nº 9.249/95 impõe uma condição temporal para que o pagamento do tributo sirva como causa de exclusão da punibilidade: deve ser feito antes do recebimento da denúncia pelo juiz. Explica-se: o Ministério Público Federal, ao propor ação criminal, o faz por meio de denúncia, que é o nome técnico dado à petição inicial da ação penal. Na denúncia, apontará a conduta tida como criminosa (no caso, redução ou supressão de tributos) e o suposto agente, que será o réu da ação. Aquele que é apontado réu na denúncia, se faz o pagamento do tributo considerado reduzido ou omitido pelo Ministério Público, provocará a extinção da punibilidade, quer dizer, não poderá ser processado pela conduta supostamente criminosa, eis que satisfez o objetivo da ação, que é, no final das contas, aumentar a arrecadação do Estado. O efeito será o de impedir que o processo penal se instaure, como se a pessoa nunca tivesse cometido o crime que lhe era imputado. No entanto, para que o pagamento surta esse efeito, é necessário que seja feito até o recebimento da denúncia, que é o momento em que o juiz aceita a ação proposta pelo Ministério Público e fixa uma data para interrogatório do réu. Importante observar que o juiz recebe a denúncia sem que avise o réu do ajuizamento da ação (sobre o tema, ver tópico específico adiante). Ou seja, o réu que pretende extinguir a punibilidade do crime tributário pelo pagamento tem de efetuar o recolhimento do tributo por iniciativa própria - não pode esperar que o juiz o intime a fazê-lo.Perdido o prazo fixado na lei (efetuado o pagamento depois de recebida a denúncia), o processo criminal terá prosseguimento, e o pagamento só poderá servir como fator de redução de pena (atenuante), se houver condenação.

III.1 - Da intimação para pagamento

Apesar de alguns juízes, antes de apreciarem a denúncia, adotarem como praxe a intimação do denunciado na ação penal por crime tributário para que efetue o pagamento do tributo apontado como devido, não existe previsão legal de que isto deva ser feito. O art. 34 da Lei nº 9.249/95 não determina que o juiz deva intimar o denunciado para que efetue o recolhimento do tributo; apenas diz que, havendo pagamento antes do recebimento da denúncia, estará extinta a punibilidade. Dessa forma, para efetuar o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, é imprescindível acompanhar diariamente junto ao Poder Judiciário se foi proposta ação criminal contra o contribuinte, de modo que, sendo positiva a resposta, este possa providenciar imediatamente o recolhimento dos valores que o Fisco reputa devidos.Se o processo administrativo fiscal seguir seu trâmite normal e elementos indicativos de crime contra a ordem tributária não chegarem às mãos do Ministério Público antes do término do feito administrativo, o contribuinte processado poderá recolher o tributo durante os trinta dias que sucedem o trânsito em julgado da decisão do órgão fazendário que consolidou a inadimplência. Passado o  prazo sem o recolhimento, a representação fiscal será remetida ao Ministério Público e, a partir de então, só o acompanhamento diário da interposição de feitos criminais junto ao Poder Judiciário poderá assegurar que o pagamento seja efetivado antes do recebimento da denúncia.

III.2 - Da possibilidade de pagamento parcelado

De outra parte, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica em admitir que o parcelamento do débito fiscal no órgão fazendário também é causa de exclusão da punibilidade. Assim, não só o pagamento do valor integral, como também o parcelamento da quantia, é capaz de impedir a instauração do processo criminal por crime tributário. Faz-se oportuno lembrar que, da mesma forma que o pagamento integral, o parcelamento deve ter sido feito antes do recebimento da denúncia.

IV - Conclusão

Em conclusão, pode-se afirmar que:

1º - a denúncia por crimes contra a ordem tributária não depende da conclusão do processo administrativo fiscal que trata da conduta supostamente criminosa, segundo a jurisprudência majoritária nos Tribunais Superiores; a representação fiscal para fins penais, que só pode ser remetida ao Ministério Público após a decisão final do processo administrativo, não é condição para a viabilidade da denúncia; qualquer elemento de prova licitamente obtido que chegue às mãos do Ministério Público poderá ser o fundamento da ação penal, independentemente do resultado final do processo administrativo ou da representação fiscal;

2º - o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia extingue a punibilidade pelo crime tributário, mas para garantir tal resultado o denunciado deve providenciar a quitação dos tributos oportunamente; se a denúncia for recebida sem que o pagamento tenha sido feito, o processo terá seu curso normal;

3º - para que o pagamento seja feito antes do recebimento da denúncia, deve-se aproveitar a oportunidade aberta para tanto ao fim do procedimento administrativo ou acompanhar diariamente a distribuição dos feitos criminais junto ao Poder Judiciário, de modo a garantir que, noticiada a propositura de ação penal, o contribuinte providencie imediatamente a quitação do débito;

4º - a jurisprudência reconhece que o parcelamento do débito, desde que realizado antes do recebimento da denúncia, é causa de extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária.

Sócio atuante nas áreas de Direito Penal Tributário, Direito Administrativo, Direito Ambiental e Minerário e Direito Civil do Escritório 

15.10.2001



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